7 de novembro de 2009

Conto: Andávamos Tristes.

Escrito por nossa querida e amada colega Natália Borges Polesso - hoje mestranda em Letras, Cultura e Regionalidade -, Andávamos Tristes é um belíssimo conto que ganhou o Concurso Literário de Caxias do Sul de 2009. Apreciem!


Andávamos tristes.

Escrito A Lápis

Andávamos tristes. Era um verão estranho, calor de secar coisas. Perguntei a ela se queria um balão. Ela me olhou duvidosa da pergunta. Para que um balão? O vendedor derretia embaixo de uma árvore. Os balões murchando. Faziam um ramalhete colorido de dores. Achei que um balão pudesse alegrá-la. Ela concordou com a cabeça e fomos até a sombra da árvore. O vendedor nos olhou sem esperança e continuou fumando seu cigarro. Olhei para ela. Tinha os olhos cansados e sonolentos. Perguntei se queria o amarelo ou o azul. Ela olhou todos os balões e me perguntou por que eu havia oferecido somente aqueles. O amarelo me alegrava mais. O azul, confesso, estava meio murcho e, nenhuma das outras cores me faria gastar qualquer moeda que fosse. É para te animar, falei meio descrente. Amarelo é uma cor boa. Ela ficou um tempo olhando ao longe. Olhando algo que eu não via, que eu sequer sabia existir. E então num gesto meio aborrecido com a cabeça ela apontou o amarelo. Eu fui até perto do vendedor olhei os balões todos coloridos e pedi um amarelo. Ele puxou a corda e me entregou o balão. Estendi a mão com duas moedas, mas ele me fez sinal negativo com a cabeça. Entregou o balão e virou às costas. Ele ainda olhou para trás, olhou para ela e baixou novamente os olhos, a cara sardenta se contraiu. Entreguei o balão a ela. Ela olhou o balão como quem aceita uma fatalidade, estendeu a mão e enrolou o barbante num dedo. Olhei ao redor, algumas pessoas aglomeravam-se ao longe. Seguimos assim para o funeral. Ela segurando o balão amarelo com a mesma cara triste que tinha antes, talvez mais triste. Uma lágrima presa no olho esquerdo. Eu, sem saber sua cor preferida. Acho que aquele verão havia secado algo entre a gente e secaria ainda mais. O balão amarelo voava tonto e pálido. A corda amarrando suas disposições, o balão como se fosse uma bola de ferro. O que nos unia era a minha simpatia pela cor e, um dedo pendendo ao lado do corpo encurvado dela. Voltamos para o apartamento. Aquilo estava de doer. Metade das coisas encaixotadas, outra metade ainda por fazer. As roupas dela em cima da cama. Ela não havia dito nenhuma palavra desde o funeral. Foi até a janela e novamente olhou distante. Tu estás feliz, me perguntou. Eu respondi que não sabia. Ela disse que esperava que alguém estivesse feliz por ali. Eu encolhi os braços e afundei a cabeça no meu próprio peito. Ela no quarto olhava o balão tão amarelo, amarelo demais. Pendurou-o na cabeceira da cama, como se para lembrar de algo. Lembrar talvez das tentativas, das escolhas, dos erros, dos arrependimentos, das palavras e dos olhares perdidos. Ainda talvez dos sonhos. Deitou-se olhando para o teto. E chorou duas cascatas de coisas as quais não me caberia perguntar nada sobre. Chorou imóvel, sem soluços ou suspiros. Aqueles choros que saem resignados, choro de coisas perdidas. Choro de impossibilidades. Levantou-se e foi até a janela, onde eu observava o dia inerte. Me dá outro balão, ela pediu. E para que outro balão, eu retruquei. Para pendurar do teu lado da cama e te alegrar também. Mas eu não quero um balão. Então, ela me olhou ressentida e perguntou o que eu teria pensado para crer que um balão a alegraria tanto. Eu disse a ela que como tivesse aceitado o balão, pensei estar certo. Ela apoiou os dois cotovelos na janela e desta vez olhou tão longe e certo, que eu acreditei ter visto algo também. Voava entre os prédios, longe, um balão vermelho.

2 comentários:

Unknown disse...

Lindo demais... *.*

Van Zucchi disse...

lindiiiiiiiissimo. sem dúvida!

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